Doações provenientes do exterior e a incidência do ITCMD
Doações provenientes do exterior e a incidência do ITCMD
Decisões dos tribunais inibem a cobrança de ITCMD nas heranças e doações provenientes do exterior
Sabemos que o Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doações – ITCMD é um imposto com previsão constitucional, instituído e cobrado pelos Estados e Distrito Federal, incidente sobre toda transferência de bens móveis, imóveis e demais bens e direitos provenientes de heranças ou doações (inclusive dinheiro).
Mas você sabia que no caso de doações ou heranças que venham do exterior não cabe a cobrança do imposto? É sobre isso que esse artigo vai tratar.
A análise da legislação tributária nacional evidência que brasileiros e estrangeiros que residem no Brasil não devem realizar pagamento de ITCMD nas heranças e doações de bens advindas do exterior. Entretanto, como veremos neste artigo, muitos estados não observam isso.
Tributação das doações e das heranças do exterior na Constituição
A Constituição Federal do Brasil, ao dispor sobre o ITCMD, prevê a necessidade de criação de lei complementar federal para regular a forma e as hipóteses de incidência do referido imposto no que tange as heranças e doações provenientes do exterior.
O Código Tributário Nacional (considerado como lei complementar federal por disposição da Constituição Federal do Brasil de 1988), entretanto, nada aborda sobre as heranças e doações que venham do exterior. Tampouco há outra lei complementar federal regulando a matéria.
Dessa forma, sem lei complementar federal que norteie a cobrança de ITCMD para doação e herança proveniente do exterior, conforme exige a Constituição Federal, o referido dispositivo constitucional se encontra com eficácia limitada.
Ocorre que alguns estados, desacatando a determinação da Constituição, têm ampliado sua competência para cobrar de alguns contribuintes o ITCMD sobre transações (doações e heranças) do exterior.
“Exigir o imposto sobre doações e heranças do exterior se torna ato inconstitucional praticado pelos estados que, por arbitrariedade, sem amparo regulamentar, têm criado leis para praticarem a cobrança do ITCMD sobre doações e heranças vindas de fora do país”, explica Ely Odilon Ferreira, consultor tributário e sócio do do Escritório Tributário.
Definição de doação
O Código Civil Brasileiro (art. 538) define como doação o contrato em que uma das partes, por mera liberalidade, transfere, de forma não onerosa e consensual, patrimônio, bens ou vantagens para integrar o patrimônio de outrem.
Para esses casos, além da devida declaração no Imposto de Renda, há a incidência de pagamento do ITCMD para as transferências realizadas dentro do território nacional, que é exigido e regulado pela lei dos estados.
E, como já explanado, as heranças e doações advindas do exterior fogem à essa regra, devendo ter, antes de sua instituição, regulamentação realizada por lei complementar federal.
Definição de herança
A expressão “herança” nos remete a uma pequena diversidade de significados, mas na maioria das vezes representa a transmissão de determinado patrimônio de uma pessoa para outra em função do falecimento da primeira, mas pode variar (tal significado) a depender do contexto em que é empregada.
Do ponto de vista da etimologia, a palavra herança tem origem no latim haerentia, e está ligada à ideia de hereditariedade, servindo para designar o patrimônio ou o legado que um indivíduo transmite aos seus descendentes.
Não é diferente no contexto jurídico, que define a herança como todo direito, obrigação ou bem material (espólio) que é transmitido para outrem (herdeiro) mediante inventário, arrolamento ou testamento.
É comum que a herança compreenda o patrimônio (bens e direitos) que uma determinada pessoa, por sua morte, transfere aos seus herdeiros ou legatários.
Para fins da incidência do ITCMD, é esse o conceito que importa, ou seja, a sucessão patrimonial em razão do fator causa mortis. Em outras palavras, além das doações, o ITCMD grava a sucessão no patrimônio do falecido (de cujus) em virtude de sua morte.
Posicionamento do Judiciário sobre a tributação de heranças e doações do exterior
Por conta de incidentes ocorridos com alguns donatários e herdeiros e pelas controvérsias envolvendo a incidência do imposto nos casos de doações e heranças provenientes do exterior, os Tribunais têm se manifestado na linha de impedir conflitos de competência e possíveis bitributações, se posicionando, no geral, que a instituição de imposto (ITCMD) sobre transmissão de heranças e doações de bens localizados no exterior depende da existência de lei complementar federal, tal como os contribuintes têm argumentado.
Por essa razão eles, contribuintes, têm se valido do amparo do Poder Judiciário, com frequente êxito, para não terem suas heranças e doações do exterior tributadas pelos estados ou pelo Distrito Federal.
E não são apenas as ações individuais que vêm prosperando. De fato, mais de duas dezenas de ações diretas de inconstitucionalidade (ADIn´s) foram julgadas procedentes pelo STF. Elas discutiam a constitucionalidade de leis exigindo a combatida tributação pelos estados do Acre, Amapá, Amazonas, Bahia, Ceará, Espírito Santo, Goiás, Maranhão, Minas Gerais, Paraíba, Pernambuco, Piauí, Rio Grande do Sul e Rondônia.
O que pedir em juízo?
Como mencionado em linhas anteriores, para que o contribuinte se veja livre da incidência do ITCMD sobre heranças e doações recebidas do exterior, deve buscar o amparo do Poder Judiciário, por meio do apoio de um escritório de advocacia jurídico-tributária especializado na área.
Se já efetuou o pagamento do imposto sobre a mencionada materialidade (sobre heranças e doações advindas do exterior), deve ingressar em juízo requerendo a repetição do indébito, ou seja, a devolução integral dos montantes recolhidos a título de ITCMD, corrigidos monetariamente e com juros.
Caso o processo de recebimento da doação ou da herança ainda não tenha ocorrido, deve pedir em juízo uma liminar para evitar a exigência do imposto quando o fato gerador ocorrer, de forma a não ser obrigado a desembolsar nenhum valor a título de ITCMD nessa ocasião. Tal liminar deve ser convertida em uma sentença judicial que a confirme.
Novos desdobramentos
Duas importantes decisões do Supremo Tribunal Federal fortaleceram o direito dos contribuintes de não serem obrigados ao pagamento do ITCMD nas doações e heranças advindas do exterior.
A primeira, com repercussão geral reconhecida (tema 825), foi o acórdão do Recurso Extraordinário n° RE 851.108, publicado em 20 de abril de 2021, em que se decidiu pela impossibilidade do DF e dos estados exigirem, pela edição de leis internas, que o ITCMD incida sobre doações e heranças vindas de fora do Brasil. Antes disso, segundo a decisão do STF, deve ser editada lei complementar nacional sobre a matéria.
Essa decisão, no entanto, teve seus efeitos modulados pela Suprema Corte Constitucional. Isso quer dizer que, embora as exigências vigentes à época do julgamento sejam inconstitucionais, seus efeitos ficam mantidos mesmo assim, por período determinado.
Nessa linha, o Supremo definiu que tal decisão vale apenas a partir de 20 de abril de 2021, data de publicação do Acórdão. Exceção feita apenas para ações judiciais ainda em curso em 20 de abril de 2021.
A outra decisão foi dada em ação direta de inconstitucionalidade por omissão (ADO 67) cujo acórdão foi publicado em 29 de junho de 2022. Na referida ADO, movida pela Procuradoria Geral da República (PGR), se reclama da demora do Poder Legislativo em editar uma lei complementar regulando a matéria e se pede que o Supremo determine ao Congresso a necessária providência.
Nessa linha, Rogério Pereira da Silva, advogado tributarista e sócio do Escritório Tributário, explica que “a vigente Constituição da República é datada de 1988 e seu texto original, especificamente no que tange seu artigo 155, parágrafo 1°, inciso III, já exigia a edição de lei complementar nacional para a instituição de ITCMD sobre doações e heranças vindas do exterior. Não é razoável, portanto, que essa lacuna legal ainda persista nos dias de hoje, já tendo transcorrido mais de 30 anos”.
Tendo prosperado a ação, a Suprema Corte fixou prazo de 12 (doze) meses, contados desde 6 de junho de 2022 (data da publicação da ata do julgamento de mérito), para que o Congresso Nacional cumpra seu papel e legisle acerca do Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD) incidente sobre doações e heranças advindas do exterior, de forma que estados e Distrito Federal tornem-se legitimados a exigí-lo.
Conclusão
As decisões do Supremo Tribunal Federal, em especial o acórdão do RE n° 851.108 e a decisão da ADO n° 67, põem fim a uma celeuma que atravessa décadas.
Se por um lado a Suprema Corte limitou sobremaneira o direito dos contribuintes de reaverem os valores que já despenderam a título de ITCMD sobre doações e heranças do exterior, por outro fechou as portas para que estados e Distrito Federal pratiquem tal exigência.
Com efeito, por conta da modulação dos efeitos da decisão do RE n° 851.108, quem queria reaver seu numerário já pago deveria ter ingressado com uma ação judicial até 20 de abril de 2021. A partir dessa data tal direito só assiste às ações ainda pendentes de julgamento.
Contudo, o campo do planejamento sucessório-tributário está aberto até que o Congresso publique a mencionada e necessária lei complementar. De fato, embora o prazo estipulado pelo Supremo, é improvável que o Congresso o cumpra, deixando uma janela para que inventários sejam abertos no exterior e doações de fora do país sejam feitas sem a incidência do ITCMD Doação do Exterior.